Dos meios de prevenir crimes

Beccaria reforça sua opinião em relação ao tema.  De acordo com o autor é, sem dúvida, melhor prevenir os crimes do que ter que puni-los, pois em toda boa legislação o fim não é castigar vingativamente os criminosos, mas sim apresentar formas de evitá-los. Um bom método de prevenção é fazer leis simples e claras, que se identifiquem com a nação, semeando a confiança entre os cidadãos, não protegendo nenhuma camada social e promovendo a igualdade intelectual entre as camadas do povo. O julgamento “por seus iguais” – defendido por Beccaria – é previsto atualmente como Tribunal do Júri em nossa Constituição Federal, no art. 5.º, XXXVIII, que assegura: “a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.
É importante ressaltar que o autor, a partir da elaboração intelectual desse pensamento, constroi uma nova linha para a escola penalista inspirada em pensadores como Kelsen, Kant, Voltaire e Diderot, pois enquanto outros pensadores focavam em estratégias vingativas e cada vez mais rígidas de serem cumpridas, Beccariasugeria penas que deveriam atender suas finalidades específicas para cada tipo de delito. Assim, com a publicação dessa obra, começa o período humanitário da pena, despertando a discussão quanto à intolerabilidade das punições aplicadas e os meios em que as penas deveriam se realizar.
O autor acreditava que, com regras acessíveis a todos, a nação inteira estaria pronta a armar-se para defendê-las, sem que a minoria calcada na arbitrariedade e em interesses particulares se preocupasse constantemente em destruí-las. Linhas adiante, Beccaria mostra mais uma vez um pensamento muito avançado para a época quando afirma que o método mais seguro para os cidadãos deixarem de cometer crimes seria aperfeiçoar a educação. Assim, impulsionou o pensamento moderno para a mudança do tratamento dado ao delituoso, sendo objeto de inspiração a vários países que tomaram suas ideias para modificar suas legislações.
Os últimos capítulos da obra Dos delitos e das penas, compreendidos do XXXVIII ao XLII, são de grandiosa inspiração e imersos em princípios que, hoje, em pleno século XXI, são vistos como revoluções no âmbito jurídico. Alguns, ainda necessitando de debates e aprimoramentos: o prevalecer da luta por direitos sociais; o pensar e o sentir à racionalidade ou à legalidade pura; além de trabalhar a essência do homem, animalesca, que precisa ser orientada. Adverte que a lei pode tanto servir à sociedade, com a finalidade de proporcionar segurança e bem-estar, quanto, neste mesmo intuito, ocasionar injustiças.
Sempre partindo do pressuposto de que a natureza do ser humano é egoísta, acredita que buscar o âmago de nós e fazer-nos amar a sociedade civil e as leis é necessário, mas isto se deve dar de forma geral e não particular. A prevalência do social é o gerador do espírito de liberdade e de coragem, enquanto o particular apenas alimenta o medo, a insegurança e o desequilíbrio entre a sociedade e o ordenamento jurídico.
Esta é a importantíssima questão do processo ético-educacional, debatida tempos depois por Zygmunt Baumant e Sérgio Buarque de Hollanda em “A moralidade começa em casa” e “Raízes do Brasil”, respectivamente. Instituição básica e formadora da criança como pessoa, a família subsiste numa ótica paternalista que não pode, em momento algum, confundir-se com a sua participação em órgãos públicos. Esta, consensual entre os autores supracitados, deve se enquadrar num estilo de tratamento geral, social, baseado na igualdade e sem privilegiar classes econômicas.
A família, que no intuito de educar às vezes segrega, destrói a coragem pela submissão e aniquila a liberdade que são inatas à condição humana e que Beccaria considera tão importante para o ânimo social e a construção do Estado saudável. Adiante, afirma que, enquanto os ídolos movidos pela liberdade civil são verdadeiros, o contrário acontece àqueles ídolos familiares. É importante a fuga do despotismo; a descentralização política e o tratamento de cidadãos e cidadãs em vez de monarquias familiares; o fisco utilizado tão somente como função estatal e não como meio dos particulares se beneficiarem.
O inverso disso é o surgimento de análises particulares, percepções individuais que em nada têm a ver com os reais fatos sociais. O que aparenta ser útil, então, em verdade se mostra como inútil, descabido, fonte de brechas que tendem a se alargar e sangrar.
O desarmamento – alude –, que desarma também os inocentes, nada mais faz do que deixá-los à mercê dos criminosos que, armados, colocam-nos em pé de desigualdade. Também, as leis, criadas no intuito de provocar o medo e não de prevenir, atingem inocentes que devolvem o medo ao Estado em forma de males sociais. A lei adequada é a única real e redundantemente adequada. Apenas a orientação civil, ética, moral, é capaz de sobrepor-se à natureza do coração humano – reforça e volta à questão familiar.
A prevenção, que provém das leis úteis, adequadas e de caráter social é possível mediante a criação e enquadramento de leis claras e simples, fazendo que as pessoas com elas se identifiquem e as amem por garantirem seu bem-estar. O mal-conhecimento das leis e do estado social não apenas influencia o fator eficácia – que é o sentimento que o povo alimenta do próprio Estado –, como também gera estupidez.
“Se prodigalizardes luzes ao povo, a ignorância e a calúnia desaparecerão diante delas, a autoridade injusta tremerá; só as leis permanecerão inabaláveis, todo-poderosas; e o homem esclarecido amará uma constituição cujas vantagens são evidentes, uma vez conhecidos seus dispositivos e que dá bases sólidas à segurança pública” (Stefam,  2010,  p. 31).
Conforme entendimento amplamente aceito, as leis não passam de convenções sociais para o bem-estar e para a manutenção da paz. Como poderia, assim, que os cidadãos as amem se não se identificam com elas ou não as conhecem? Não se baseando só no princípio da publicidade, mas no entendimento simples do mais humilde cidadão!
Quanto mais se especificam os crimes, mediante a infinidade de sentidos humanos, mais crimes são construídos porque não se atinge o que é verdadeiramente nocivo. O conhecimento determinado da lei é o que dá ao povo o conhecimento de suas consequências, bem como não a rigidez da pena, mas a certeza da punição é garantidora de respeito.
Beccaria assume que, se nem as leis naturais são exatas, sofrendo mutações no decorrer do tempo, não seriam logo as leis humanas perfeitas. No entanto, a busca pela felicidade pública também não deixa de ser natural, embora social – ao Homem como ser político de Aristóteles –, para objetivar leis perfeitas.
Chega à conclusão, enfim, de que a prevenção dos crimes não se dá meramente com o temor – que pode ser salutar –, mas também e principalmente com a criação de leis balizadas pela moral social, conhecida pela sociedade, provocando o choque entre a religião e a ciência, da ignorância à filosofia e da escravidão à liberdade, orientando o cidadão desde a infância na arte da cidadania e que se chama educação.

A pregação das virtudes, de tal modo, deve ser normal desde a infância, no seio familiar, deste âmbito que impregna a alma da pessoa por ser para ele tão sentimental. Ferraz Junior remete-nos à memória mais duradoura e que é a sentimental. Talvez, os princípios que mais se incorporam à alma e ao caráter de cada pessoa também venham dos primeiros ensinamentos, dos sentimentos anteriores à construção da moral que, mais tarde, entrarão em confluência ou não com a legislação criada por seus pais e que rege o Estado

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